Os Argentinos: leia este livro antes de ir ou depois de voltar da Argentina

No início de 2019 fizemos uma Road Trip pela América Latina, rodamos 10 mil quilômetros em 40 dias. O país que mais nos surpreendeu foi a Argentina, definitivamente! Como boa parte dos brasileiros, tínhamos uma visão estereotipada acerca dos nossos irmãos argentinos, formada basicamente pelos que visitam nossas praias, ou pelas visitas que havíamos feito a Buenos Aires. Assim, conhecer o Norte de Mendoza (Salta e Jujuy) e, ainda, Mendoza (eu já conhecia e amava), além de Córdoba e Rosário e até Pueblo Liebig, nos permitiu entender melhor este rico país.

Neste meio tempo recebemos mais um convite da Editora Contexto, nos ofertando o livro “Os Argentinos” e solicitando que fizéssemos uma resenha do mesmo. Já havíamos feito do livro Os Colombianos (fantástico!) e estávamos na expectativa por ler mais um livro da Coleção Povos & Civilizações da editora. Agora compartilhamos com vocês, esperando instigá-los a lerem este livro que, recomendamos, deve ser preferencialmente lido antes de visitar este país.

 

PALACIOS, Ariel. Os Argentinos. São Paulo: Contexto, 2015. 357 p.

O livro “Os Argentinos”, escrito pelo brasileiro Ariel Palacios, jornalista, correspondente da Globo News (já foi do El País, do O Estado de São Paulo e da CBN, cobrindo, além da Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile), nos propicia uma compreensão que somente um escritor que convive com as múltiplas realidades argentinas poderia repassar.

Logo na introdução ele traz uma máxima, popular entre acadêmicos brasileiros e argentinos que ironizam sobre as relações entre ambos países: “os brasileiros amam detestar a Argentina… e os argentinos odeiam ter que amar tanto o Brasil”. De fato, eles admiram o Brasil, “o mais grande” em quase tudo, e manifestam este amor por meio de viagens anuais ao litoral (preferencialmente) brasileiro.

O escritor esclarece que a rivalidade futebolística é mais para o nosso lado do que do Argentino. Por exemplo, eles torcem para a seleção brasileira ganhar em algumas situações, principalmente se jogando contra a Inglaterra, país pelo qual guardam uma imensa marca, em função da Guerra das Malvinas. Uma perda não assimilada!

Se a Argentina padece dos mesmos males com relação à política, com corrupção e incompetência, eles nos superam num quesito: somente trêspresidentes chegaram ao final do mandato, desde o retorno da democracia, em 1983: Carlos Menem, Néstor Kirchner e Cristina Kirchner. Numa referência que o escritor faz ao historiador argentino José Ignácio García Hamilton, entende-se melhor esta situação: “mas a cultura política é totalmente hispano-americana, acostumada à hegemonia, aos caudilhos, à exaltação dos líderes militares e da pobreza, além da transgressão da lei”. Lembra algo?!?

Mas tem algo que se não invejamos é porque pouco sabemos: eles possuem cinco prêmios Nobel, dos quais três da área científica. Nós, brasileiros,nenhum! A Argentina é a terra de Jorge Luis Borges, “o escritor latino-americano de cultura mais universal”, afirma Rosendo Franga, noutra citação que o autor traz, “mas também é a de Diego Armando Maradona, o ídolo transgressor”. Este é o espírito, a dualidade que precisa de um olhar mais atento para ser compreendida.

Mas “Afinal, quem são esses argentinos? é o primeiro capítulo que já faz valer a leitura do livro. Aqui se compreende que, no princípio, na época da colônia, o povo argentino (antes mesmo de se constituir o país com a dimensão de hoje), e até o primeiro século de vida independente, era criollo, ou seja, uma mistura de espanhóis com indígenas, além dos vários escravos africanos. A partir de 1860 – 1880, esta realidade muda, diante do desembarque de milhões de imigrantes europeus, especialmente latinos. Assim, surge a irônica frase: “Os mexicanos descendem dos astecas, os peruanos dos incas e os argentinos dos navios!”.

Um ponto fácil de ser percebido é a ironia deste povo de múltiplas etnias. Frases como: “O argentino é aquele que para cada solução… tem um problema!”, ou “Argentinos: chega de realidades! Agora nós queremos promessas!”, demonstram esta marca e abrem caminho para compreender melhor este país que vai dos Pampas aos Andes.

Os capítulos sobre a instabilidade política são recheados de curiosas histórias, que vão desde o domínio espanhol, a formação do país, onde Buenos Aires por muito tempo esteve à parte, a independência, o massacre dos índios (também temos este ponto em comum), as guerras civis, o peronismo, a guerra das Malvinas… Enfim, sobre os ‘políticos, piqueteiros e outros poderes”. Entendemos mais o próprio Brasil ao ler estes capítulos. É como fazer terapia ouvindo o relato dos problemas do outro, sabendo que eles também se referem a nós mesmos.

Também é possível entender a busca pelos dólares, como única moeda segura, por parte dos argentinos. Eles sofreram muito com a ‘esquizofrênica economia’, explica o autor. Inflações galopantes, privatizações, hiperinflações, colapsos, calote… tudo no país das 16 moedas. Outra citação merece ser mencionada: Roberto Dvoskin afirma: “a Argentina é alcoólica em relação à inflação. E o alcoolismo não se cura… administra-se!”.

O livro ainda aborda a influência do “Reich” na Argentina, refúgio de nazistas e outras curiosidades mais amenas, como as invenções e manias deste povo cheio de “argentinismos e argentinices”, que afirma ter uma ‘Freud city”, Buenos Aires, a cidade dos psicanalistas. Mas há muito mais para descobrir, como os santos populares, o idioma, os sotaques, as gírias e a paixão pelo futebol, além dos grandes mitos, entre eles Evita, “a elegante mãe dos pobres que virou ícone pop”.

Um dos capítulos mais aprazíveis é “O Tango, ‘uma forma de caminhar pela vida'”, como afirmava Jorge Luis Borges. Aqui se descobre as origens africanas do Tango, o papel do “compadrito” e das “cajetillas”, ou seja dos “criollos” e “dos filhinhos de papai”. Também se entende a ligação entre Buenos Aires e Paris e o quanto a Cidade-Luz contribuiu para a disseminação e valorização do Tango. A narrativa visita Carlos Gardel, com sua origem confusa, difusa e disputada, passa pelos poetas e pelas orquestras, que enriqueceram o Tango e chega ao Astor Piazzolla.

Obviamente, não poderíamos entender este país sem nos sentarmos à mesa com o escritor, que apresenta os pratos básicos – ‘e outros nem tanto’ – e a bebida nacional (por decreto de Néstor Kirchner): o vinho! A vontade foi de abrir um Malbec ou um Torrontés! Aliás, tenha uma garrafa destas cepas, antes de iniciar o livro, vai ser necessária a sua abertura!

 

Se você viajou ou pretende viajar para a Argentina, deve ler este livro.

Se você gostaria de entender melhor a formação da América Latina, deve ler este livro.

Se você se interessa por história e andou vendo os excelentes filmes argentinos, deve ler este livro.

Se você gosta de Tango, deve ler este livro.

Se você aprecia um bom malbec ou torrontés, leia este livro!

Enfim, este livro é uma espetacular radiografia do passado e da atualidade desse encantador país, que é a Argentina.

Importante:

O Viajante Maduro viaja como ideal de vida e profissão.

O livro foi um presente da Editora Contexto: https://editoracontexto.com.br/ e faz parte da Coleção Povos & Civilizações.

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