“Morre lentamente
Quem não viaja,
Quem não lê,
Quem não ouve música,
Quem não encontra graça em si mesmo (…)”
Assim começa um dos poemas de Pablo Neruda, um dos maiores poetas da América Latina. E o casal Viajante Maduro concorda com ele.
O casal também acredita que os livros e obras de arte como de Neruda são um dos mais ricos alimentos da vontade de viajar. Admirar o mar pelas janelas de um poeta que eternizou em palavras o que era ver aquele mar é experiência difícil de descrever. Talvez como a própria poesia o é.
“Livro, quando te fecho, abro a vida“, definiu o chileno.
Apaixonados pela poesia de Neruda e pela poesia que é viajar, o casal Viajante Maduro decidiu conhecer os lugares que abrigaram poeta. Por um impedimento, não puderam visitar a de Valparaíso, mas foram nas mais emblemáticas: La Chascona, em Santiago, e a casa de Isla Negra.
La Chascona, Santiago
“La Chascona” nasceu junto a uma história de amor. Neruda construiu casa em 1953 para se encontrar com Matilde, sua amante à época e com quem conviveu até a morte. O nome “Chascona” é uma referência à cabeleira da amada.
“Matilde canta com voz poderosa as minhas canções.
Eu dedico-lhe quanto escrevo e quanto tenho. Não é muito, mas ela está contente.
Vejo-a agora a enterrar os sapatos minúsculos na lama do jardim e, em seguida, a enterrar também as suas minúsculas mãos na profundidade da planta.
Da terra, com pés e mãos e olhos e voz, trouxe para mim todas as raízes, todas as flores, todos os frutos fragantes da felicidade.”
Em 1955, após se divorciar de sua primeira esposa, Neruda se mudou para a casa, onde viveu até sua morte, em 1973.
A casa é uma verdadeira obra de arte arquitetônica: foi projetada para ter a vista da Cordilheira dos Andes e também ter uma forma geométrica semelhante a um barco. Ao longo dos anos, foi sendo ampliada com “puxadinhos” pelo poeta, criando um ambiente único de vários andares, com cômodos tomados por obras de arte: pinturas, esculturas e objetos que de alguma forma fascinaram o poeta. Um exemplo é uma mesa que Neruda trouxe de um café de Paris.
Além de ser o local onde compartilhou a vida com o amor de sua vida, a casa foi também palco de reuniões e encontros do Partido Comunista, pelo qual Neruda militava.
Está localizada em uma das rotas turísticas mais populares de Santiago, perto do Cerro San Cristóbal, no bairro Bellavist, e, além da casa-museu, também abriga a sede da Fundação Pablo Neruda.
Após sua morte, apenas 12 dias após o golpe militar de Pinochet, à qual era ferrenho opositor, a casa sofreu vandalismo de militares, mas foi reconstruída por Matilde, que viveu no local até falecer, em 1985.
Isla Negra, El Quisco
“Vim aqui para contar os sinos
que vivem no mar,
que soam no mar,
dentro do mar.
Por isso vivo aqui.”
Isla Negra não é uma ilha mas um vilarejo rebatizado assim pelo próprio poeta, que considerava “Las Gaivotas”, esta pequena vila do litoral chileno, perfeito refúgio para escrever. Isla por seu espírito isolado. Negra pelas rochas de cor escura que cercam o vilarejo.
Hoje, é Isla Negra, vilarejo onde Pablo Neruda criou grande parte de sua obra poética.
É onde, em 1939 Neruda comprou de um velho marinheiro espanhol uma pequena cabine de pedra que, transformada e ampliada, tornou-se uma casa-museu de riqueza cultural impressionante. A visita ao lugar é indispensável aos amantes da obra do autor.
É a casa que revela mais sobre a alma de Neruda, que colecionava objetos como conchas, peças de artesanatos, mapas, instrumentos de navegação, insetos, búzios, esculturas, brinquedos e garrafas. Mas nada que o transformasse em um colecionador, dizia. Era, em suas palavras, um “coisista” – alguém que gosta de coisas.
“Edifiquei minha casa como um brinquedo e brinco nela da manhã à noite”, disse o poeta sobre o local certa vez.
O poeta gostava das coisas e amava o mar. Mar este que faz companhia à casa monumental – o mesmo que inspirou odes sob a caneta do grande poeta chileno. Poemas que encarnavam em suas palavras o ritmo da natureza – o ritmo da vida. Entre eles, um eternizado em uma cena de “O Carteiro e O Poeta”, clássico italiano.
“Aqui na ilha o mar
e quanto mar
de si mesmo sai
a cada instante,
diz que sim, que não
que não, que não, que não
diz que sim, em azul
em espuma, a galope,
diz que não, que não.
Não pode ficar quieto
“O meu nome é mar!”, insiste,
pegando uma pedra
sem conseguir convencê-la
então
com sete linguas verdes
de sete cães verdes
de sete tigres verdes
de sete verdes mares
lambe-a, beija-a
umedece-a
e bate no peito
repetindo seu nome (…)”
Como o bom artista que era, Neruda transformou a casa em uma obra poética. Envoltos de inscrições, monumentos, peças de arte e bugigangas, os felizardos que visitam a casa preferida do poeta sentem algo semelhante ao prazer de ler seus poemas: é um excesso delicioso de símbolos de amor à vida.
Deixou em poema seu desejo de ser enterrado no vilarejo que tanto amava:
“Compañeros, enterrame en Isla Negra,
frente al mar que conozco, a cada área rugosa
de piedras y de olas que mis ojos perdidos
no volverán a ver”
E é lá, no quintal dessa casa cheia de vida, onde Pablo teve seu corpo sepultado junto ao de sua amada Matilde, que, assim como o mar, inspirou tantos poemas de amor.
E nós seguimos estrada, agradecidos pelo aprendizado desta viagem pelo Chile.
Em 2019 retornaremos, mas desta vez para o Norte deste país que amamos.
IMPORTANTE:
Nossa viagem para o Chile não teve qualquer patrocínio, nem conflito de interesse. A opinião aqui expressa é a nossa verdade! A autoria das fotos é de Ivane Fávero.
A matéria teve a colaboração/redação da jornalista Julia Beatriz de Freitas.
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